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Artigo - 17 de Maio: Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia

Publicação:

Dedões e indicadores unidos formando um coração. Sobre a foto, filtro com as cores  vermelho, amarelo, verde, azul e lilás.
A cada dia ocorre um assasinato ou um suicídio decorrentes da LGBTfobia no Brasil.

Martha G. Narvaz1

Jussinara G. Narvaz2

Ederson G. Ferreira3

No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) excluiu a homossexualidade da classificação estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Foi somente a partir desta data que a homossexualidade não foi mais classificada como doença, ganhando o reconhecimento de que é uma forma legítima de existência. Por esse motivo, o dia 17 de Maio ficou conhecido como Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia, que se propõe a dar visibilidade a estas questões na busca de ações que contribuam para o enfrentamento da discriminação contra as pessoas LGBT+4.

Não se trata de mimimi dos ativistas dos direitos humanos pela diversidade. A cada dia ocorre um assasinato ou um suicídio decorrentes da LGBTfobia no Brasil. Vergonhosamente, lideramos o rankig mundial de crimes contra as minorias sexuais: matam-se mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África, regiões nas quais vigora ainda pena de morte contra práticas sexuais e de identidade de gênero associadas a essa população. Mais da metade dos LGBT assassinados no mundo ocorrem no Brasil. Em 2019, 329 LGBT+ foram as vítimas de morte violenta no Brasil, sendo 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,8%). Pesquisas iniciadas na década de 1980 apontam que, em termos absolutos, predominaram as mortes de 174 Gays (52,8%), seguidos de 118 Travestis e Transexuais (35,8%), 32 Lésbicas (9,7%) e 5 bissexuais (1,5%); 29,4% foram assassinados a facadas, 21,8% com arma de fogo, incluindo estrangulamento, espancamento, tortura e carbonização do corpo. Um terço das mortes violentas de LGBT+, sobretudo de gays e lésbicas, ocorreram nas residências das vítimas; já as trans, especialmente as profissionais do sexo, foram executadas na rua, nos centros urbanos, em estradas e locais ermos. Em termos relativos, as pessoas trans representam a categoria sexológica mais vulnerável a mortes violentas. Esse total de 118 mortes, se referidas a 1 milhão de travestis e transexuais que se estima existir em nosso país, sinalizam que o risco de uma pessoa trans ser assassinada é aproximadamente 17 vezes maior do que um gay. Apesar da redução observada nos dois últimos anos, estas mortes cresceram incontrolavelmente nas duas últimas décadas: de 130 homicídios, em média, em 2000, contabilizaram-se 260 em 2010, subindo para 398 nos últimos três anos (OLIVEIRA, 2020).

Diante deste triste cenário, reivindicações de longa data dos movimentos LGBT+ vêm se materializando em alguns parcos avanços na legislação e nas políticas públicas  acerca do reconhecimento e promoção da cidadania, tais como: 1) o Programa Brasil sem Homofobia (BRASIL,2004), lançado pelo governo federal em 2004; 2) a decisão do Superior Tribunal Federal, em 2019, por meio da qual a homofobia e a transfobia passaram a enquadrar-se no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo; 3) a garantia do uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero para pessoas travestis e transexuais, permitindo que seja utilizado o nome social em diversos contextos, dentre eles, nas escolas e nas universidades, conforme decreto 8.727, de abril de 2016 (BRASIL, 2016).

Sabe-se, no entanto, que a promulgação de leis não garante sua efetivação. É  preciso incidir na cultura, tendo a educação importante papel neste cenário. Entretanto, a inclusão da temática dos direitos humanos para a população LGBTQI+ é ainda incipiente nos currículos, tanto da educação básica quanto no ensino superior, sobretudo diante da chamada ofensiva anti-gênero encabeçada pelo Programa Escola Sem Partido. A resistência à discussão dessa temática remete ao conservadorismo característico da sociedade brasileira que reverbera na educação. Falar em sexualidades dissidentes da ordem binária masculino-feminino, homem-mulher, implica questionar hierarquias e legitimidades de toda ordem. Discursos insurgentes necessitam ser silenciados diante do risco de serem desmontados sistemas de privilégios, o que, obviamente, não interessa às elites conservadoras com sua tradição sexista, misógina, racista e patriarcal. Observa-se assim o ocultamento dessas questões em nossas práticas  educativas (NARVAZ; ZORDAN, 2019). 

Buscando dar visibilidade a estas questões, a Uergs tem desenvolvido trabalhos no campo das lutas pelos direitos das pessoas LGBTQI+ (FERREIRA; LANZANOVA, 2019a, 2019b; LAU; AZEVEDO, 2019; NARVAZ; CHAGAS, 2019; NARVAZ, GOULART; MONTEIRO, 2019). A inserção destas discussões nos currículos ainda são, todavia, pontuais e pouco institucionalizadas, restringindo-se a produções de grupos específicos e de docentes sensíveis à temática. É urgente a institucionalização de políticas que contemplem a transversalização destes debates na universidade, bem como a consideração da destinação de cotas para o acesso destas pessoas ao ensino superior, o que já tem sido feito por algumas universidades em nosso meio, desafios que o 17 de maio nos convoca a enfrentar. 

1Professora adjunta no Curso de Pedagogia em Alegrete e integrante do PPG em Educação da Uergs, é doutora em psicologia e pós-doutora em Educação (UFRGS). Lidera o grupo de pesquisa CNPQ Gênero e Diversidades e representa a Uergs no Conselho Estadual LGBT/RS. Email martha-narvaz@uergs.edu.br
2Advogada, especialista em direito penal, na área das políticas públicas e dos direitos humanos, integra o Grupo de Pesquisa CNPQ Gênero e Diversidades. Email jussinara.adv@hotmail.com
3Graduado em Gestão Ambiental e  cursando Administração Pública na Uergs, é pós-graduando em Projetos Sociais e Direitos Humanos (UniRitter), desenvolveu diversos trabalhos de pesquisa e extensão na temática da diversidade e direitos humanos enquanto aluno da Uergs. Representa a Rede Gay Brasil/RS no Conselho Estadual LGBT/RS. Email ederson-ferreira@uergs.edu.br 
4Esse é o termo mais utilizado e significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. O termo no Brasil foi aprovado em 2008, durante 1ª Conferência Nacional GLBT, quando houve a troca da sigla GLBT por LGBT. Tem sido veiculado ainda, pós-conferência,  o termo LGBTQI+ para incluir também queer, intersexos e outras diversas identidades. A programação da 1ª Conferência Nacional GLBT está disponível em  www.conferencianacionalglbt.com.br

Referências

BRASIL. Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016. Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm. Acesso 13 maio 2021. 

BRASIL. Programa Brasil Sem Homofobia. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2004.

FERREIRA, Ederson, Gustavo; NETO, Antôio Leite; MOTTA, Márcia Neugebauer. Uergs sem LGBTfobia. VI Salão Integrado Ensino, Pesquisa e Extensão, II Jornada de Pós-Graduação, I Seminário Estadual sobre Territorialidade. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/SIEPEX/visiepex/paper/view/1181. acesso 13 maio 2021.

FERREIRA, Ederson Gustavo; LANZANOVA. Luciane Sippert.  Educação em Direitos Humanos: Por uma Uergs sem preconceitos.  Anais do IX Siepex Uergs, 2019. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/IXSIEPEX/IXSIEPEX/paper/view/3781. Acesso 13 maio 2021. 

______________. A Uergs é para todxs? É preciso lutar, resistir e nos fortalecer frente aos retrocessos. Anais do IX Siepex Uerg, 2019. Anais do IX Siepex Uerg, 2019. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/IXSIEPEX/IXSIEPEX/paper/view/3953. Acesso 13 maio 2021.

LAU, Nicolas; AZEVEDO, Gilmar de. Gramática internalizada da comunidade LGBT+: Particularidades e construção identitária. Anais do IX Siepex Uerg, 2019. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/IXSIEPEX/IXSIEPEX/paper/view/3541. Acesso 13 maio 2021.


NARVAZ, Martha Giudice; CHAGAS, Alex. Mapeamento de pesquisas relacionadas à temática LGBT: um estudo a partir dos trabalhos do Siepex. Anais do IX Siepex Uerg, 2019. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/IXSIEPEX/IXSIEPEX/paper/view/3798. Acesso 13 maio 2021.


NARVAZ, Martha G.; GOULART, A. L.; MONTEIRO, J. Análise das desigualdades de gênero nos institutos das licenças maternidade e paternidade no Brasil. Anais do IX SIEPEX UERGS, 2019, Porto Alegre. Disponível em http://conferencia.uergs.edu.br/index.php/IXSIEPEX/IXSIEPEX/paper/view/3640. Acesso 13 maio 2021.

NARVAZ, Martha G.; ZORDAN, Paola. Quem tem medo do corpo, do sexo, do gênero? Quem tem medo do corpo, do sexo e do gênero? In: Juliana Lapa Rizza;  Joanalira Corpes Magalhães;Paula Regina Costa Ribeiro; Ana Luiza Chaffe Costa. (Org.). Tecituras: Sobre corpos, gêneros e sexualidades no espaço escolar. Rio Grande: Editora da Furg, 2019, v. 1, p. 15-32. 

OLIVEIRA, José Marcelo Domingos de. Mortes violentas de LGBT+ no Brasil – 2019: Relatório do Grupo Gay da Bahia/ José Marcelo Domingos de Oliveira; Luiz Mott. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2020.

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