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Prêmio Açorianos de Dança tem estudante da Uergs entre os indicados

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Syl Rodrigues, estudante de dança da Uergs em Montenegro, é uma das indicadas ao Prêmio Açorianos de Dança 2019.
Syl Rodrigues, estudante de dança da Uergs em Montenegro, é uma das indicadas ao Prêmio Açorianos de Dança 2019. - Foto: Vagner Carvalho

Atualizada em 02/04/2020 - 12h02

Moradora do bairro Orfanotrófio, na Zona Sul de Porto Alegre, Syl Rodrigues traz a arte em sua trajetória desde muito nova. Hoje, prestes a se formar na Uergs, no curso de Licenciatura em Dança da Unidade em Montenegro, a estudante é selecionada como uma das indicadas ao Prêmio Açorianos de Dança 2019.

A escolha por seu nome como uma das indicadas ao prêmio se deu por seus projetos de pesquisa desenvolvidos, e por sua atuação enquanto diretora artística da companhia de dança Flash Black, um grupo formado por bailarinos negros vindos de escolas públicas da Capital. “Quando eu recebi a notificação, nem imaginava. Eu não imaginava agora, nesse momento, então foi bem surpreendente. E foi a mesma sensação que eu tive quando passei [na seleção] pra Uergs. Nossa, foi algo muito inspirador. Foi algo que me fortaleceu.”

Sem data para o anúncio dos vencedores do Prêmio, em decorrência da paralisação dos eventos públicos no estado, a dançarina aguarda ansiosa pelos resultados da premiação. 

Syl Rodrigues traz a Arte em sua vida desde a infância
Syl Rodrigues traz a Arte em sua vida desde a infância - Foto: Henrique Gimenez

Da creche à Universidade

Syl teve seus primeiros contatos com o mundo das artes muito cedo. Além do ambiente musical que tinha em casa, se aproximou da dança por meio das apresentações que eram organizadas no Centro de Promoção do Menor, um espaço onde ficava enquanto sua mãe trabalhava. “O que eu lembro da minha infância é que eu já estava dançando”. Estes, que foram os primeiros anos de sua vida, ficaram também marcados como os primeiros passos em sua trajetória enquanto artista.

Já no Ensino Fundamental, na Escola Estadual Cônego Paula de Nadal, aos 12 anos passou a praticar Street Dance, as danças urbanas, como hoje são chamadas. A partir daí, participando de aulas em estúdios e indo a festivais, começou a construir um olhar mais técnico sobre sua arte, compreendendo a importância do treino, da pesquisa e das aulas para evoluir enquanto dançarina. 

Quando veio sua primeira gravidez, entre os 17 e 18 anos, precisou parar os estudos, voltando para a escola um ano depois. Estudou por dois anos em pré-vestibulares populares, para tentar cursar Educação Física – na época não sabia da existência de cursos de graduação para Dança -, mas com o tempo precisou ir para o mercado de trabalho.

Por quatro anos trabalhou no varejo, como vendedora e promotora de vendas, até o falecimento de sua avó, que a fez repensar suas escolhas.

“Quando minha vó faleceu, isso gritou muito alto dentro de mim. Ela foi me visitar nesse dia (de sua morte), no meu serviço, e eu não consegui dar a atenção que ela merecia, por estar trabalhando loucamente. Comecei a rever alguns parâmetros. Afinal, eu tô aqui nessa vida pra quê? A minha vó havia acabado de falecer, e ali eu senti a necessidade de seguir aquilo que pulsava dentro de mim. A arte. A dança.”

Coreografia Afkoms Corpus, na Mostra de Dança Verão POA 2020.
Coreografia Afkoms Corpus, na Mostra de Dança Verão POA 2020. - Foto: Nando Espinosa

No ano seguinte, em 2015, se matriculou em uma audição para fazer parte do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre (GED), uma formação da Secretaria de Dança, da Prefeitura de Porto Alegre, oferecida para a comunidade de forma gratuita. Estando em contato com inúmeros profissionais de destaque da Área, que apresentavam outros modos de ensinar e de pensar a dança, Syl viu nascer em si o desejo de ser professora. “O GED acaba sendo uma formação em dança contemporânea, mas o contemporâneo do ponto de vista social. Ele vai além. Trabalha com o indivíduo, em como se comporta na sociedade. E o que o corpo tem para falar dentro dessa sociedade”.

Foi no GED que ficou sabendo do curso de graduação da Uergs, por meio do então professor da Universidade, Airton Tomazzini, que era também um dos instrutores do Grupo. Paralelo às aulas no Grupo Experimental, que ocorriam no turno da manhã, voltou a frequentar o curso preparatório popular Universidade Já, que dava aulas gratuitas à noite, na Escola Julio de Castilhos. Em razão disso, precisou deixar o emprego formal, passando a atuar como modelo de comerciais, em agências de publicidade.

Um mundo chamado Uergs

Concluída a formação no GED, que teve duração de oito meses, realizou a prova do Enem. Em janeiro de 2016, soube que havia sido aprovada na Uergs, como cotista, pelo Sisu. “Foi a realização da minha vida. Eu lutei durante muito tempo, e não sei nem explicar a emoção que senti”. Defensora das políticas de Ações Afirmativas, a bailarina pontua a importância de existir um sistema que auxilie o ingresso e a permanência de pessoas periféricas nas universidades públicas.

Para ela, estar na Universidade também trouxe desafios. Morar e trabalhar em Porto Alegre, e ir estudar em Montenegro; os primeiros trabalhos da graduação foram feitos pelo celular, pois não tinha computador em casa; além de perceber, desde o início de suas aulas, que era uma das poucas pessoas negras dentro de seu curso. Foram cenários que precisou lidar. “A porcentagem de negros que entra ainda é muito pequena. Eu e um colega, numa turma de 20 alunos. Fora a evasão. Tem muitos alunos cotistas que chegam na Uergs e não conseguem permanecer”.

Apesar das dificuldades, o contato com os professores que a acolheram, contribuiu para que a experiência na Universidade fosse transformadora, lhe proporcionando um crescimento que permitiu seu desenvolvimento tanto profissional quanto como ser humano. “Eles são os meus mentores. A maneira que acolhem as pessoas ali é uma coisa muito grandiosa, porque é notável que eles não têm apenas uma maneira de ensinar. São diversas maneiras, para lidar com diversos tipos de alunos.” 

Mostra de Dança da Uergs, em 2019. Coreografia Afkoms Corpus
Mostra de Dança da Uergs, em 2019. Coreografia Afkoms Corpus - Foto: Mayara Lima

Syl destaca a liberdade que sente de poder explorar seu estilo próprio, vindo das bagagens e vivências que traz desde muito antes da graduação.  E foi neste ambiente, de experimentar e explorar possibilidades, que passou a ter um maior entendimento de si mesma, enquanto uma mulher negra, enquanto sujeito social. “As relações ali dentro me fizeram amadurecer muito, em relação às questões sociais, em relação ao que eu queria com a minha arte, em relação ao que eu queria colocar no mundo enquanto artista, para além do mundo acadêmico.”

Também, Syl faz questão de pontuar a importância de Juana Chi, dançaria que a incentivou a seguir no curso, logo no primeiro ano da graduação. Juana deu a Syl uma bolsa no Estúdio de Dança Carol do Amolin, onde teve contato, por três anos, com o Jazz Funk, estilo que influencia até hoje suas performances. 

Conectando academia e sociedade

Das reflexões que foi construindo, Syl Rodrigues foi cada vez mais amadurecendo sua posição enquanto mulher negra dentro do mundo da Dança, o que acabou também aparecendo em seus trabalhos. Na cadeira de Introdução à Coreografia, ministrada pela professora Silvia Lopes, foi proposto aos alunos que, pela primeira vez, criassem sozinhos um tema de pesquisa. Deveriam justificar, teoricamente, todo o processo, desde a escolha do nome da performance, até cenário e figurino.

Usando da própria trajetória como inspiração,  ela trouxe para o trabalho os anos em que se encontrou dentro de espaços de dança, da cena de Porto Alegre, migrando de um estúdio para outro na busca por um lugar em que se sentisse pertencente. Baseando-se, então, na proposta de dança-arte-educação, da autora Inaicyra Falcão, que traz elementos estéticos da tradição afro-brasileira, focou sua pesquisa em como os corpos de mulheres negras precisam se modificar dentro de alguns estúdios de dança, espaços socialmente embranquecidos. Assim, construiu o espetáculo de dança Afkoms Corpus.

Festival de Dança da Uergs, em 2017
Festival de Dança da Uergs, em 2017 - Foto: Mayara Lima

“Muitas vezes as técnicas que a gente tem são colocadas em xeque, por não se enquadrar num padrão europeu, o padrão que normalmente se busca dentro das artes, dentro da dança. E quando tu vem com esse corpo que é carregado de uma ancestralidade, que é carregado de toda uma vida, de toda uma cultura que não é a europeia, isso é sim olhado com um estranhamento”, afirma a bailarina.

Das apresentações que foi realizando com o espetáculo criado, Syl Rodrigues viu surgir um reconhecimento de seu trabalho dentro da Dança. Então, Airton Tomazzoni, artísta com quem já havia tido contato na época em que estudou no Grupo Experimental, lhe convidou para ser uma das juradas da Gincana Cultural de São Jerônimo, em novembro de 2019. Já no evento, em uma conversa informal, Tomazzoni lhe fala de uma companhia de dança que havia ajudado a criar, a Flah Black. Foi, então, convidada para ministrar uma aula para o grupo, onde hoje é uma das diretoras artísticas.

Desde que o grupo foi criado, a ideia era a de formar uma companhia de dança para jovens negros. Os integrantes são moradores das periferias de Porto Alegre que tiveram formação em dança dentro de escolas públicas, por meio da Escola Preparatória de Dança de Porto Alegre. Já trazendo suas vivências artísticas, que vêm de dentro da escola, o objetivo do grupo é ser um espaço de profissionalização destes bailarinos, uma porta para colocá-los no mercado da dança, conta a diretora artística. 

Integrantes da Companhia de Dança Flash Black
Integrantes da Companhia de Dança Flash Black - Foto: Vagner Carvalho

Prestes a se formar, Syl Rodrigues carrega consigo a emoção e o agradecimento por, ainda na graduação, ser honrada com a indicação ao Prêmio Açorianos de Dança 2019. “É tudo muito valioso porque foi a vida que eu escolhi. Foi essa maneira que eu escolhi viver. Apesar de qualquer dificuldade eu escolhi viver isso. Então, quando acontecem essas coisas, para mim é um reconhecimento. É como se fosse um carinho, sabe, de toda uma sociedade.” conclui.

 

Texto: Émerson Santos

Edição: Daiane de Carvalho Madruga

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