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Dia Mundial da Água: o mito da abundância desse recurso e a necessidade de um novo olhar sobre sua gestão

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Dia Mundial da Água foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992.
Dia Mundial da Água foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992.

Quando os primeiros peixes começaram a aparecer mortos no rio Paraopeba, em janeiro deste ano, o povo Pataxó que habita a aldeia indígena Nao Xohã percebeu que a sua vida estava ameaçada. Era nas águas do rio que os indígenas centralizavam aspectos básicos da rotina como a alimentação e a higiene pessoal. Atingido pelo rompimento da barragem de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, o rio Paraopeba ia perdendo seus peixes, e todas as formas de vida que dependem desse rio para sobreviver. 

O rompimento da barragem do município de Brumadinho, ocorrido no dia 25 de janeiro, suscita uma série de discussões sobre os impactos da ação humana no meio ambiente. Uma delas é justamente a forma como os recursos hídricos são tratados e como eles são afetados quando o homem intervém na natureza.

Fundamental na manutenção da vida no planeta, a água é o elemento mais abundante na Terra. Cerca de 70% do nosso planeta é composto por água. Desse total, 97,5% da água existente no mundo é salgada e, portanto, imprópria para o consumo. A água que pode ser consumida, presente em rios, lagos e aquíferos, representa 1% de toda a água do mundo. Além de escassa, a água é também um recurso natural ameaçado.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as mudanças climáticas observadas nas últimas décadas aumentaram a escassez do líquido em vários lugares do mundo e agravaram a situação de mais de dois bilhões de pessoas que já não tinham acesso à água potável. De acordo com dados da organização, até 2050 uma a cada quatro pessoas viverá em um país onde a falta de água potável será crônica.

A situação no Brasil

No Brasil, quando falamos sobre água, falamos sobre abundância. O país tem uma grande disponibilidade de água doce, representando cerca de 12% da disponibilidade total do mundo, segunda a Agência Nacional das Águas (ANA). Porém, a distribuição do recurso não é equilibrada. De acordo com o professor Celmar de Oliveira, da Uergs, 68% da água doce encontra-se na Amazônia, região que possui somente 7% da população. A região Nordeste possui escassez desse recurso, com 3% da água e 29% da população. A região Sudeste, com 6% do total da água disponível no País e 43% da população, apresenta criticidade quali-quantitativa. A região Centro-Oeste, com 8% da população brasileira, possui 16% de toda a água disponível. A região Sul, com 14% da população, possui 7% da água disponível. Em bacias hidrográficas como a do Quaraí, nos meses de verão, em razão da irrigação da lavoura de arroz, o cenário é de escassez hídrica.

Diante dessa abundância e desse desequilíbrio na proporção, revela-se necessária uma gestão sobre os recursos hídricos que se preocupe em reduzir a desigualdade nesse acesso e evitar eventos como o ocorrido em Brumadinho e em Mariana (também em Minas Gerais, em 2015). Além de representarem uma profunda tragédia humana, esses eventos representam impactos violentos e duradouros no meio ambiente, muitos deles irreversíveis.

Falar sobre água não significa tratar apenas das questões macro, mas também da planta que cultivamos em um pequeno vaso em nossa casa, dos nossos animais de estimação e da água que bebemos.

Onde é despejado o esgoto das grandes cidades?  Qual é a situação dos nossos rios, lagos e lagoas? Nós podemos, hoje, tomar banho nos rios que banham nossas cidades? Perguntas como essas são fundamentais para a conscientização sobre a necessidade de repensar a forma como tratamos desse recurso natural. Também é importante que se cobre das instituições uma gestão consciente de que o planeta vive uma crise ambiental que precisa ser freada.

Neste Dia Mundial da Água, a Assessoria de Comunicação da Uergs conversa com o professor Celmar Oliveira, que também atua no Mestrado em Ambiente e Sustentabilidade da Uergs. Na entrevista, o docente fala sobre a forma como é feita a gestão dos recursos hídricos brasileiros, sobre os desafios dessa gestão pós-Brumadinho e onde os órgãos públicos como a Universidade se inserem nesse cenário.

- Considerando que no Brasil há rios "compartilhados" com países vizinhos e a dimensão dos nossos rios (o maior volume de água se concentra em regiões menos populosas) como funciona a gestão de águas no Brasil?

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 as águas passaram a ser públicas, sendo atribuída a dominialidade à União e aos Estados Membros. Sua gestão deve ser descentralizada e baseada em usos múltiplos. Coube à União legislar sobre as águas, administrar as águas dos rios interestaduais e internacionais e as águas acumuladas em lagos formados por barragens edificadas com recursos federais, como os reservatórios das grandes usinas hidrelétricas. Aos estados coube a maior parte da água: as nascentes, pequenos e médios cursos d’água e a totalidade dos aquíferos. A Lei das Águas, (Lei 9433/97) institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SINGREH). Institui a bacia hidrográfica como unidade de gestão, define a água como recurso natural limitado e com uso prioritário para o consumo humano e observando o uso múltiplo das águas. Não há como dissociar gestão dos recursos hídricos da gestão do território. A gestão desse recurso deve considerar que a disponibilidade efetiva de água superficial para plantas, animais e humanos depende das chuvas, demanda evaporativa e capacidade de armazenamento das águas nos solos, em rios e em reservatórios. Em decorrência a retirada de água da rede hidrográfica com alteração do escoamento, assim como a devolução da água usada, criam impactos ambientais negativos. 

- Quais são os desafios da gestão das águas nacionais depois do que ocorreu em Brumadinho?

Os desafios não estão adstritos ao setor hídrico, envolvem também projetos e ações em outras áreas de interesse público e a sociedade em geral. Os problemas da contemporaneidade são complexos e demandam soluções sistêmicas. Portanto é urgente retirar a autorização (descomissionar) de funcionamento de barragens que contenham rejeitos de mineração e que utilizam o método de alteamento à montante, ou seja, aproveitam esses rejeitos para ampliação da capacidade dessas barragens. A exploração excessiva dos recursos naturais não pode comprometer a sustentabilidade ambiental e comprometer a integridade das pessoas. No caso do rompimento da Barragem 1 do Córrego do Feijão, em Brumadinho, o ecossistema da região foi altamente comprometido não sendo ainda possível avaliar o lapso de tempo que será necessário para uma reparação ambiental, ainda que parcial. Centenas de vidas humanas foram vitimadas. Nesse cenário, percebemos os efeitos da “Tragédia dos Comuns” em que as ações predatórias de agentes econômicos degradam os recursos naturais causando externalidades negativas à sociedade e ao meio ambiente.

- Qual é a importância da participação de órgãos públicos nas discussões e ações a respeito da água no Brasil?

A participação dos órgãos públicos mostra-se fundamental tanto para assegurar o acesso da população a esse bem necessário à vida, assim como para mantê-la informada sobre a necessidade de um uso sustentável da água. Tem como missão, mediante a política e a gestão, manter o equilíbrio do tripé (ambiental, social e econômico). Se o Estado se afastar do processo de regulação e fiscalização estabelecer-se-á o desequilíbrio na relação. Nesse caso, o desenvolvimento se realizará com degradação ambiental. A gestão ambiental e dos recursos hídricos frente ao Desenvolvimento Sustentável volta-se à: gestão da oferta, da demanda e da reserva dos recursos naturais. Precisamos de água segura, limpa e disponível e de saneamento para uma vida digna. A Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu a década de 2018-2028 como a “Década Internacional para a ação, Água para o Desenvolvimento Sustentável.  Essa mesma Assembleia, em 1993 escolheu o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água, o que envolve uma campanha da ONU mediante a discussão entre os Países Membros, para a conservação desses recursos.

 - E qual o papel da Uergs nessas discussões? Quais as ações que a Universidade pode realizar para ressaltar a importância de preservação dos recursos hídricos do nosso país?

A missão da Universidade vem sendo atendida por projetos e ações no ensino, na pesquisa e na extensão. Os cursos da Universidade, na área ambiental, tanto na graduação como na pós-graduação, têm formado profissionais com competências que lhes permitem atuar com desenvoltura nas diversas áreas relacionadas ao meio ambiente e, em especial, no setor hídrico. Dentre dezenas de pesquisas na área ambiental, a Uergs vem contribuindo também na pesquisa “Mais Água” com financiamento da FINEP e do Governo do Estado, e coordenando o subprojeto políticas públicas e recursos hídricos que tem o objetivo de analisar as políticas ambientais e de recursos hídricos a partir da relação entre a legislação, a administração ou gestão pública e os conflitos sociais e econômicos no Estado do Rio Grande do Sul, articulado aos outros subprojetos do projeto Mais água. Na extensão é oportuno destacar a realização, no ano de 2018, do evento “A Tragédia dos Comuns: seu legado no desenvolvimento de Políticas Públicas”.  O ciclo de palestras e debates foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Uergs/CNPQ Políticas, Gestão Pública e Desenvolvimento e pelo Programa de Mestrado em Ambiente e Sustentabilidade da Uergs e reuniu especialistas da Área Ambiental, Desenvolvimento Regional e da Administração Pública que proferiram palestras e debateram com a comunidade temas de interesse na gestão dos recursos ambientais, inclusive os recursos hídricos. No ano de 2019 será reeditado o segundo ciclo de palestras e debates “II Ciclo de Debates sobre a Tragédia dos Comuns Hoje: Tragédia dos Comuns ou Tragédia de Não Comuns?” com início no dia 8 de maio, no turno da tarde, no auditório do Campus Central. Esperamos assim como ocorreu com a edição de 2018, nessa de 2019, contar com a participação massiva da comunidade.

Texto: Glauber Cruz

Edição: Daiane Madruga

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